[Resenhas] Boyhood: Da Infância à Juventude

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Minha resenha chega muito tempo depois de ter assistido a “Boyhood: Da Infância à Juventude” no cinema, mas o impacto se mantém intacto, com o perdão da rima rica. Há quem tenha achado “um belo filme sem roteiro”, mas estes (poucos) são aqueles que apenas compram ingresso (quando não ‘baixam’ via internet) por causa de histórias mirabolantes e rocambolescas, cheias ou de efeitos especiais ou de reflexões grandiosas. Este belo filme de Richard Linklater, responsável pela deliciosa trilogia começada por “Antes do Amanhecer”, não se encaixa em nenhum destes casos.

Linklater tem sim um roteiro bem urdido em suas mãos, com drama, humor, bons diálogos. Mas seu maior desafio é pensar um filme 12 anos antes de seu término, é confiar em atores que são apenas crianças e que se transformarão física e psicologicamente durante todo esse tempo. Será que não desistirão no meio do caminho, ainda que sob contrato firmado? Mesmo que não desistam, será que continuarão interessantes até lá?

Mason (Ellar Coltrane) é o protagonista, filho do casal vivido com intensidade e talento por Patricia Arquette e Ethan Hawke. No início do filme ainda bem pequeno, Mason vive com a mãe e com a irmã Samantha, esta interpretada por Lorelei Linklater, filha do diretor. Mais protagonista que ela na trama, Ellar Coltrane brilha, mas Lorelei rouba a cena o tempo todo, como se dois grandes e experientes atores fossem… como se este não fosse apenas seu primeiro e talvez único filme da vida… Menino e menina que se transformam em adolescentes, cada um ao seu tempo, que mudam fisicamente (e passam por aquela fase “enfeiada”), e que se rendem aos modismos e novidades de sua época, na rapidez que a tecnologia nos oferece. Dois pequenos atores que nunca mais serão vistos enquanto pequenos, apenas a serviço deste único filme, que pode ou não dar certo, que pode ou não fazer sucesso ou ganhar prêmios, ou apenas ser esquecido, quiçá nunca terminado. Mas, intensos, dedicados, eles constroem um grande filme.

Patricia Arquette e Ethan Hawke não são meramente ‘escadas’. No rosto de Hawke — que, numa curiosa ousadia do diretor, interpreta um pai que usa quase sempre o mesmo tipo de roupas e o mesmo automóvel — surgem e se acentuam as rugas naturais de doze anos de tantas experiências vividas, quer pelo personagem, quer pelo ator. É o envelhecimento real, sem truques de maquiagem. Direta e objetiva, Arquette brilha intensamente numa personagem cheias de altos e baixos e é candidatíssima a abocanhar boa parte das premiações como atriz coadjuvante.

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As passagens de tempo não são marcadas com legendas ou obviedades, e eis aí o dedo brilhante do diretor em tornar sutil o que já é explícito por detalhes. Não estamos falando de décadas, mas apenas pouco mais de uma única década que caminha cinematograficamente de 12 em 12 meses, e eis que riqueza de pequenos objetos, canções e situações cotidianas aparecem aqui e ali sem que se tornem clichês agressivos, mas deliciosas guloseimas para o espectador. E isso é incrível, pois o espectador se sente nostálgico (e se identifica) por uma época que está logo ali, já no século 21, que está apenas começando, mas com tantos aparatos que já parecem tão distantes… Sem apelar ou perder o fio desta meada anual, Linklater brilha, e com justiça foi premiado em Berlim e no Globo de Ouro e levou finalmente sua primeira indicação ao Directors Guild of America.

É tudo muito natural, e por isso talvez incomode a alguns (poucos) críticos. O orgulho de uma mãe com a prole, as implicâncias entre irmãos, os conflitos conjugais muitas vezes mergulhados em incertezas e más escolhas, pessoas que se amam e que cantam junto uma música da moda… Nos identificamos com determinadas situações, e com elas nos emocionamos, choramos e sorrimos junto. Tal como na trilogia de Julie Delpy, onde desejamos que haja, nove anos depois, um quarto filme, “Boyhood” nos deixa curiosos sobre como serão os próximos 12 anos destas pessoas fictícias mas tão próximas, embora desde já saibamos que provavelmente não haverá uma continuação.

O filme é longo, mas nem parece: poderia durar ainda mais, e ainda assim estaríamos nos deliciando sem perceber a passagem do (nosso) tempo. Aproveitamos cada minuto do filme, cada momento e… eis que, lá pelas tantas, ouvimos algo que mexe conosco: “As pessoas devem aproveitar o momento… não, é o momento que nos aproveita”… Em nossa “vida real”, a corriqueira expressão “passou como um filme” em geral é apenas uma forma de tentar traduzir um susto ou uma emoção repentina que não conseguimos evitar. A vida, o crescimento, as dores e delícias, nada disso é evitável nem transferível: é tudo nossos, íntimo, intraduzível. Mas e se pudéssemos condensar tudo isso em 2h45min?

Mason cresceu — e o adulto que ele se torna nos conquista — , permanecendo com todas as idades em nosso coração. É apenas um menino, um menino de uma família como tantas mas tão singular, ainda que fictícia, retratada com dignidade numa produção tão difícil que gerou um filme tão simples quanto deslumbrante: já saí do cinema querendo ver de novo e, sem dúvida, recomendo intensamente.

Tommy Beresford

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~ por Tommy Beresford em janeiro, 14 2015.

Uma resposta to “[Resenhas] Boyhood: Da Infância à Juventude”

  1. Ave Maria dos filmes chatos que coisa chata este filme, meu amigo! Passados praticamente um ano do Oscar e da badalação em torno, consegui assistir “em capítulos”, dormindo e acordando e me esforçando para ver tudo. Consegui, vi sim e achei… um porre. Como li numa frase de crítica num site pelaí, “a vida real é chata”. Chatíssima e só um filme muito bom para torná-la encantadora e especial. Não é o caso deste filme de Linklater que conhecia de nome, e fui verificar fez a romântica e insossa trilogia de Hawke e Deply…
    Patricia Arquette está bem mas Emma Watson (em “Birdman”) dá de lavada! O crescimento das crianças é… normal. Que tem de importante nisso? Na verdade vejo que o que chama atenção são os 12 anos de produção do filme em que – como vc disse e eu também pensei – poderiam colocar em risco a participação de dois protagonistas – as crianças irmãs – independentemente de contratos assinados.
    Doze anos chatos esses, imagino eu! Pelo menos, para mim, o foram – ainda que condensados em 2h45 min…

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