[Resenhas] Azul é a Cor Mais Quente

azul é a cor mais quente cartaz

Ao sair de “Azul É a Cor Mais Quente”, vi numa livraria que o filme ignora o desfecho da HQ original de Julie Maroh… e que bom. Na verdade, a produção dirigida pelo tunisiano Abdellatif Kechiche tem como título “La Vie d’Adéle – Chapitres 1 & 2”, e o foco portanto é nos primeiros anos do relacionamento entre Adèle e Emma. É improvável, porém, que Abdellatif filme o restante, tamanha a onda de polêmicas e acusações pela qual o filme passou, em especial por conta das declarações de Léa Seydoux, uma das protagonistas. E nem precisa, pois o filme não parece incompleto: embora longo (quase 3 horas), ele termina na hora certa.

O fato é que “Azul É a Cor Mais Quente” é um filme maravilhoso. Não por suas longas cenas ousadas de sexo entre duas mulheres, que de fato pode chocar os mais desavisados. Mas pela linda e comovente história de amor contada de forma vagarosa mas envolvente. Nas mãos de um diretor americano (sem preconceitos, afinal adoro o cinema americano), talvez a história tivesse enveredado por caminhos mais focados nos conflitos do preconceito, aqui contados com muita delicadeza pelo diretor sem cair nas obviedades e armadilhas.

Mesmo no que se refere ao foco principal — a relação amorosa entre as duas –, o filme não tem açúcar em excesso e não dá ao espectador qualquer ilusão de final feliz, e ainda assim causa muita emoção no espectador. É a detalhada conquista de uma pela outra (e talvez só o cinema francês tenha essa capacidade de contar com tamanha minúcia, delicadeza… e tempo!) que faz com que o espectador entenda a grandiosidade das sequências mais fortes que se sucedem: as cenas de sexo são igualmente detalhadas, variadas, prolongadas, mas só causarão repulsa nos que (ainda) não entendem que a relação entre duas pessoas do mesmo sexo não é inventada em um abracadabra transformatório, não é pecado nem vexatório, mas sim uma característica natural de uma parcela dos seres humanos que (como todos) buscam, na inerente natureza de sua sexualidade e capacidade amorosa, apenas serem felizes, plenamente realizados em seu prazer, em suas relações amorosas e nas atividades cotidianas em geral… como deve ser, não importando o sexo indicado na carteira de identidade dos envolvidos.

Assim, não espere “defesas de causas”. Com citações a Antígona e apropriado uso tanto da vida escolar quanto da Pintura, Kechiche usa as profissões de Emma (Léa Seydoux) e Adèle (Adèle Exarchopoulos) para mostrar com propriedade o contraponto entre a expressividade da arte e a crueza da realidade das duas, mas sem levantar bandeiras — ainda que haja uma cena com uma parada gay francesa, quase que coroando a descoberta da sexualidade de Adèle. O diretor trata, portanto, a questão do homossexualismo sem ressalvas mas sem clichês: o bullying escolar pode parecer agressivo, mas sabemos que é real, e em contrapartida há também pitadas de humor, como na divertida “cena das ostras”. O ato de comer em família, por sinal, gera duas belas cenas também comparativas, a recepção que as duas têm na casa dos pais de uma e de outra, sem falar na “macarronada dos intelectuais”.

O trio premiado

O trio premiado

Impossível não destacar o trabalho das duas protagonistas. Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos estão excepcionais, seja na dificuldade e intensidade da exposição das cenas de sexo (que levaram dias e dias para serem filmadas), seja nos momentos tanto de força quanto de fragilidade de ambas. Vale a pena destacar que, embora “Le Passé” tenha dado a Bérénice Bejo o prêmio de interpretação feminina em Cannes 2013, pela primeira vez no Festival a Palma de Ouro foi concedida não somente ao diretor, mas também às duas atrizes, conjunta e merecidamente. O filme concorre também ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

É um filme de muita delicadeza e inteligência da parte do diretor, que abusa dos closes nos rostos e bocas, muito mais do que na ‘exacerbância’ sexual. Mesmo quando não é explícito, muito é dito, como na reação da amiga de escola com quem Adèle trocara beijos anteriormente: calada, ela não se manifesta, nem a ataca nem a defende, durante a dura cena do bullying… o que se passa na cabeça dela naquele momento ?

E uma frase dita numa cena de escola pode resumir, para mim, todo o filme: “Para o que serve o pescoço da girafa? Para alcançar as estrelas…”. Talvez possa parecer que Adèle e Emma utilizam o sexo para alcançar suas estrelas, mas na verdade estão pura e simplesmente tentando viver sua vida da forma mais intensa possível. Um dos melhores filmes de 2013, recomendo.

Tommy Beresford

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~ por Tommy Beresford em dezembro, 19 2013.

Uma resposta to “[Resenhas] Azul é a Cor Mais Quente”

  1. Um filme bastante forte, ousado. Como ultimamente o cinema, de modo geral, só tem blockbuster de Hollywood, não se faz mais cinema adulto, como nos anos 70. Os franceses saíram na frente fazendo cinema para ser refletido, discutindo, debatido numa roda de amigos, após a sessão, num café. Espero que apareçam mais filmes contundentes como este para tirar o cinéfilo do marasmo atual.

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