[Resenhas] 12 Anos de Escravidão

cartaz 12 anos de escravidão

Escrevo a resenha de “12 Anos de Escravidão” somente depois da entrega do Oscar 2013/2014 simplesmente porque… não deu tempo. Agora, mais animado com as premiações que obtive nos bolões, posso falar com mais calma sobre esse excelente filme que arrebatou 3 estatuetas (“Melhor Filme”, “Melhor Roteiro Adaptado” e “Melhor Atriz Coadjuvante”).

Saber que o filme será distribuído (e também o livro) nas escolas americanas é talvez o maior dos prêmios para a produção de Steve McQueen, baseada nas memórias de Solomon Northup. Mas a clareza do filme não vem de qualquer tom de didatismo que poderia ter sido imposto por McQueen. Talvez o diretor tenha sido até mais “ágil” em seu excelente “Shame“, já que “12 Anos” tem uma narrativa (ainda mais) lenta. Mas é justamente esse ritmo cadenciado que dá a oportunidade ao espectador de “digerir” cada cena. A sequência em que Solomon fica pendurado na ponta dos pés enquanto o mundo ao seu redor continua seguindo seu tacanho caminhar é uma das mais fortes do cinema nos últimos anos. Mais que isso, representante de um ano de tantos bons filmes, “12 Anos de Escravidão” é sem dúvida um dos melhores longas produzidos nos últimos anos. E, sem sombra de dúvida, um dos mais necessários e obrigatórios.

Chiwetel Ejiofor

Chiwetel Ejiofor

Não espere sutilezas na direção de McQueen que, negro como o personagem, não impõe porém qualquer ‘vibe’ panfletária de “estou me vingando pelo passado americano”. O maior valor de “12 Anos” é que nenhuma das interpretações caiu na caricatura: nem no exagero da vilanice, nem na pieguice do sofrimento. São todos humanos com a alma e a dor à flor da pele, e cada chibatada, cada lágrima e cada olhar atônito de Chiwetel Ejiofor é um compêndio de reflexão oferecido sem pena ao espectador para que a imbecilidade do (sub)julgar (independente da condição de “injustiça” pela qual passa Solomon) nunca mais ocorra — e, infelizmente, sabemos que ainda acontece diariamente das mais diversas formas, nesses 2014 em que ainda há tanta gente que acha possível (e, para alguns, até “merecido”) ver um negro nu e espancado acorrentado a um poste…

“Há 21 milhões de pessoas em escravidão enquanto estamos aqui sentados. Espero que, a 150 anos a partir de agora, a nossa ambivalência não permita que outro cineasta faça este filme” (Steve McQueen, ao receber o prêmio máximo na cerimônia do Bafta, em 16.02.2014)

Lupita Nyong'o

Lupita Nyong’o

Descendente de escravos, Solomon nasceu em julho de 1808 e foi criado como um homem livre, em Saratoga Springs, Nova York, mas foi sequestrado e mantido em cativeiro como escravo por doze anos. Após ser libertado, escreveu o livro “Twelve Years a Slave” e também ministrou dezenas de palestras em todo o nordeste dos Estados Unidos. No filme, é vivido com intensidade e, sempre que necessário, com contenção por um inspirado Chiwetel Ejiofor, vencedor do BAFTA e de pelo menos outros sete prêmios. Chiwetel, que este ano obteve indicação dupla ao Globo de Ouro (também por “Dancing on the edge”, uma produção para a TV), está admirável: seu sofrimento atinge o espectador sem pedir licença, pois somos trazidos para sua realidade de um século 19 que parece tão longínquo mas que ainda está bastante vivo, lá como cá. Não importa se os planos da fotografia de “12 Anos” sejam amplos e em espaços tão abertos: o aprisionamento e a opressão psicológica está nos olhos de Chiwetel ainda que o ator não esteja em close. Contundente, emocionante e arrebatador.

A então desconhecida Lupita Nyong’o encantou o mundo. Merecidamente vencedora do Oscar, do Screen Actors Guild e de quase todos os prêmios de coadjuvante do ano, sua participação no filme é pequena, mas inegavelmente marcante. Lupita nos emociona a todo momento, e é a prova de que McQueen sabe aproveitar bem cada um de seus atores ainda que em pequenos papéis (sob sua batuta, Carey Mulligan já havia fabulosamente roubado a cena em “Shame”, e a participação de Sarah Paulson em “12 Anos” é também marcante). Benedict Cumberbatch, Brad Pitt (que acreditou no filme e se tornou um de seus produtores) e o excepcional Paul Dano têm participações menores mas eficientes.

Michael Fassbender

Michael Fassbender

Mas é necessário destacar a fantástica participação de Michael Fassbender, que disputou uma das categorias mais difíceis do Oscar 2013/2014 e só perdeu a estatueta porque Jared Leto era inegavelmente o favorito por sua maravilhosa participação em “Clube de Compras Dallas” (filme que fez Matthew McConaughey levar a estatueta que, em outros anos, iria para as mãos de Chiwetel). A parceria de Michael com McQueen, por sinal, é antiga: já haviam filmado junto o supracitado “Shame” e também “Hunger”. Fassbender brilha.

Em tempo: “Lincoln“, que concorreu ao Oscar no ano anterior e tratava de temática semelhante, é um filme enfadonho e quase amador perto de “12 Anos”. Imperdível, obrigatório, necessário e eterno. E, sem dúvida, dá vontade de ler o livro.

(…) A esperança de vir a ser resgatado era a única luz a trazer algum conforto ao meu coração. Esta era uma luz vacilante, tênue e baixa, que apenas mais um sopro de desapontamento poderia extinguir difinitiamente, relegando-me às trevas, até o final dos meus dias. (Do livro, página 167)

Em tempo: se você acha a história um pouco longe da nossa realidade, procure saber sobre o brasileiro Luís Gonzaga Pinto da Gama.

Tommy Beresford

doze anos de escravidao cena

~ por Tommy Beresford em março, 07 2014.

2 Respostas to “[Resenhas] 12 Anos de Escravidão”

  1. Muito bom, Tommy, realmente muito bom. Em que pese ter cochilado, notei dois dos pontos que vc destacou – e que facilmente imaginei que estaria aqui: o rosto impressionante de Ejiofor e a qualidade da interpretação de Fassbender. O primeiro, arrebata mesmo, pois mostra uma perplexidade diante de DUAS situações horrorosas que não dá pra entender mesmo… e o segundo foi muito feliz na composição e nas cenas em que atuou.

    Meses depois do Oscar e muito badalada, eu estava curiosa sobre a atuação de Lupita, mas confesso que não achei nada demais – talvez tenha perdido cenas importantes durante o(s) cochilo(s)…

    Me causou espécie também saber que casos como o de Solomon aconteceram nos EUA naquela época – nunca imaginei, nunca ouvi falar, antes. Enfim, bandido pra dar golpe em desavisado sempre existiu…

    Enfim, um grande filme, merecedor do Oscar. Ah, e a inevitável comparação com as atuações de “Clube de Compras…” : de fato, Ejiofor e Fassbender ficaram um milímetro abaixo de McConaughey e Leto…

  2. Sem dúvida, um dos melhores filmes que assisti até agora.

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