[Resenhas] Relatos Selvagens
Sempre que um filme argentino chega ao Brasil, merece toda nossa atenção. Curiosamente, quase sempre só chegam ao grande circuito os filmes onde Ricardo Darin está presente, nem que seja em uma ponta (caso de “O Que os Homens Falam”). Como a maior parte dos filmes argentinos que são exibidos por aqui são muito bons, acabo pensando numa lógica: será que todo filme com Ricardo Darin é bom?
Claro que esta, como toda generalização, é tacanha. Mas eis que “Relatos Selvagens” (nas telonas brasileiras em outubro de 2014, indicado da Argentina a uma vaga no Oscar 2014/2015 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro) é um grande filme… e tem mesmo Ricardo Darin, que protagoniza uma das seis histórias do longa (que, ao contrário dos recentes filmes compostos por pequenas tramas, não se cruzam). Todas são ótimas. O filme é vendido como “suspense” — e sim, há bastante suspense e tensão — mas existe uma dose bem farta de humor em muitos momentos e, acreditem, até umas certas pitadas de Almodovar e Tarantino aqui e ali. Os irmãos Almodovar, Pedro e Agustin, estão entre os produtores, e então você descobre que é uma coprodução Argentina-Espanha (Tarantino não, só pra constar…).
O filme lembra de alguma forma “Um Dia de Fúria”, aquele mesmo protagonizado por Michael Douglas, mas é muito mais que isso: seis vezes mais. É um impressionante conjunto de acertos, a começar pela excelente trilha sonora de Gustavo Santaolalla e uma fotografia com grandes momentos seja nas belas externas seja nos apertados corredores de um salão de eventos e, mais apertado ainda, numa briga dentro de um automóvel. O diretor Damián Szifron foi extremamente feliz não somente pelos seis ótimos roteiros, mas sua sintonia com o diretor de fotografia Javier Julia nos coloca dentro de um bagageiro de um avião, num buraco de explosivos, e por aí vai, tudo bem contado sob uma excelente montagem (de Szifron e Pablo Carrera). Sem contar na firmeza com que o jovem diretor de 39 anos acreditou no elenco, onde sobra talento: os atores “se jogam” sem medo de errar: são seis histórias que envolvem completamente o espectador.
O primeiro episódio, do avião, já captura o espectador pela surpresa, e só quando termina é que entram os créditos iniciais (que fazem uma interessante associação entre os profissionais anunciados e animais selvagens). O segundo, o episódio da cozinheira, talvez seja o mais fraco dos seis, mas ainda assim é muito bom. A terceira história, da briga entre motoristas e a que mais se aproveita da trilha de Santaolalla, é quase pastelão, bastante surreal, mas nem por isso podemos dizer que é impossível de acontecer, vide tantas barbaridades que acontecem nas ruas e estradas por aí. A partir do quarto episódio, o filme explode, e eis finalmente Ricardo Darin numa situação diária e explosiva com a qual nós brasileiros também nos identificamos, a das pequenas autoridades, burocracia, injustiças cotidianas, o “não saber a quem apelar” e tudo o que isso envolve.
O quinto episódio, o mais tenso e o único praticamente sem humor, envolve corrupção de autoridades, a opinião pública versus a reputação dos que se acham acima das leis, o limite da ética. Mas é o sexto e último episódio, da festa pós-matrimônio, que torna o filme inesquecível. Numa atuação sensacional de Érica Rivas, o diretor mostra todo seu talento numa difícil e detalhada sequência em cima de uma situação limite. Para mim, ainda que não tenhamos visto o casamento em si mas apenas a festa, é a melhor cena de casamento da história do cinema… pelo menos a melhor de “casamento trágico”…
Tudo que poderia ser previsível no filme foi eliminado, e tudo que parece exagerado, se pensarmos bem, talvez não seja tanto assim. E nos faz refletir: a Argentina, há anos em séria crise política e econômica, tem feito filmes de padrão internacional, de alta qualidade, talvez muito mais do que no Brasil… Não percam, recomendo imensamente.
Tommy Beresford
Seis episódios à beira de um ataque de nervos…