[Resenhas] Moonlight: Sob a Luz do Luar
Não entendi o motivo de um filme que concorria a oito Oscars, incluindo o de Melhor Filme, só ter sua estreia programada para três dias antes da cerimônia. Não foi só com “Moonlight”: outro grande filme desta safra, “Um Limite Entre Nós”, dirigido e protagonizado por Denzel Washington, sequer tinha passado da pré-estreia quando as estatuetas foram entregues. No caso do premiado longa de Barry Jenkins, o absurdo parecia ainda maior, já que o filme havia abiscoitado mais de 40 prêmios de Melhor Filme (inclusive o Globo de Ouro) ou de Melhor Elenco, o diretor Barry Jenkins levou mais de 20 prêmios e seu elenco também haviam brilhado nas premiações (só Mahershala Ali já havia levado mais de 30 como Melhor Ator Coadjuvante).
Passado o Oscar, onde o filme levou 3 estatuetas inclusive a de Melhor Filme, continuo sem entender. Exibido em pouquíssimas salas, assisti a “Moonlight” e saí impressionado. Não é um soco no estômago, mas uma agulhada delicada no cantinho do coração. Todos e quaisquer rótulos estereotipados — do tipo “filme de negros sobre negros só com negros” ou “filme gay” — são errôneos e só mostram o preconceito nosso de cada dia: é um filme de amor. Amor que ele desconhece, dentro das dificuldades do cotidiano, e do que o entorno “determina” para a vida do protagonista Chiron — e, mais ainda, do que Chiron consegue fugir ou onde ele não precisa se afogar. Num filme onde o silêncio é protagonista, há até Caetano na bela e discreta trilha, e a força de uma canção (e a tocante adequação de sua letra) pontua uma das mais bonitas cenas do filme, a do restaurante.
O filme foi construído a partir da obra de Tarell Alvin McCraney ( “In Moonlight Black Boys Look Blue”), uma autobiografia não publicada e por isso causadora de uma certa confusão nas premiações: “Moonlight” ganhou diversos prêmios como Roteiro Adaptado (como no Oscar) mas também como Roteiro Original. A história é construída de maneira clara e linear com passagens de tempo que nos fazem pensar no tanto de coisas Chiron pode ter passado nestes lapsos de tempo até chegar em sua nova idade/fase: não há flashbacks nem didatismo exagerado mas, caminhando sempre para frente, o filme é claro como água na forma de nos apresentar Chiron como um ser em busca de identidade e carinho. E é justamente na água — do mar ou da banheira — que “Moonlight” nos banha de emoção, citando apenas duas das muitas incríveis cenas do filme.
Chiron precisa ser amado, pois sem isso não consegue amar. Precisa tentar entender sua própria identidade já que o mundo que o cerca o força a isso. O filme trata sim de abandono, de bullying, de preconceito, gueto e tudo o mais, mas nada disso é mais protagonista do que um tratado muito bem cuidado das relações humanas. É em Juan, por exemplo, uma figura que pela vida que leva não seria considerada exemplo de nada, que Chiron encontra a figura paterna que não tem, e em Teresa (Janelle Monáe) uma amiga com quem pode contar em suas fugas dos problemas com a mãe e a escola.
O diretor é muito feliz nos elementos que escolhe para transformar a quase mudez do protagonista em eloquência: num filme que ousa em closes e câmeras lentas, são gestos comuns — como o de se vestir para uma ocasião especial, a postura de Chiron ao se preparar para uma situação que não domina e até o “despir” de uma dentadura — que muitas vezes contam incisivamente a história, sem a necessidade de palavras. Jenkins faz uma incrível direção de atores, mostrando muito cuidado com os protagonistas mirins e adolescentes, mas também com o quase protagonista Mahershala Ali, que brilha enquanto está na tela e nos deixa órfãos quando não está. Naomie Harris, que também foi indicada ao Oscar e a diversos prêmios (vencendo seis deles), também brilha em difícil papel. Mas são os três protagonistas das três fases de Chiron que levam o sentimento (e as reflexões) do espectador ao extremo: Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes, todos incríveis. O Oscar 2016/2017 seria muito mais marcante (fora as graves gafes que cometeu) se tivesse apresentado uma indicação conjunta de Melhor Ator com os três.
Se “Moonlight” é o filme do ano? Para a grande maioria que o assistiu, tenho certeza que não. Em pleno 2017, muitos não estão preparados para este tipo de filme, e muitos destes nitidamente esperavam cenas ainda mais explicitas do que as que foram mostradas: isso era sentido na respiração da plateia durante a exibição. Para mim, é sim o filme do ano, ainda que “Lion”, “La La Land”, “Um Limite Entre Nós”, entre outros, tenham tantas qualidades técnicas e/ou emocionais quanto. Mas é preciso haver a poesia de “Moonlight” de vez em quando para sacudir a indústria do cinema e tirá-la do lugar comum. Longe de querer cinematograficamente inovar ou quebrar paradigmas, é um lindo filme sobre sentimentos e as barreiras que separam os seres humanos. Recomendo imensamente.
Tommy Beresford
Não somente por concordar com cada detalhe escrito – mas também – adorei a crítica.
Concordo imensamente com “há de estar preparado para este filme”
Abração