[Resenhas] Barbie

Sério que vocês apostavam que um filme com roteiro e direção de Greta Gerwig (National Board of Review por “Lady Bird” e Critics’ Choice por “Adoráveis Mulheres”) seria uma produção ruim ou um filme bizarro? Vocês são patéticos.

E, sim, “Barbie” pode ser visto como bizarro, mas não como essas suas mentes toscas rotularam, por puro preconceito, antes de sequer admitirem comprar o ingresso, seus manés.

America Ferrera.

Mas vocês não estão preparados para isso.

Quando começou a enxurrada de “técnicos de filmes de Barbie” massacrando o filme, pensei com meus botões: “o de sempre”. Muitos deles, críticos profissionais machos brancos hetero cis patatis patatás, já analisavam “a mensagem” do filme e já haviam sido inenarravelmente toscos antes (antes de “Barbie” e em críticas de outros filmes, que eu sei o que vocês fizeram no verão passado). Isso inclui os que achavam que haveria “mensagens perigosas” num “filme para meninas”, uma “produção sobre bonecas” — sim, essas expressões foram usadas. Houve quem tentasse ensinar à indústria do cinema o que deve ou não deve ser filmado. “Mais do mesmo”, como sempre, pensei eu. Nem vou citar os pentelhocostais e as “mães cristãs”, sem generalizar, inclusive.

Gente que, falando sobre outros filmes, não titubeia em simplesmente aceitar ou aplaudir a “criatividade”, as “inverossimilhanças” muitas vezes feéricas – ok, quase sempre – dos Indiana Jones da vida, Tom Cruise’s films, Velozes e Furiosos N; afinal, estes são aceitáveis “ficções”, “entretenimentos”, “filmes de aventura”, ora, ora. Mas, claro, um filme chamado “Barbie” vindo de um país que gerou cults como “American Pie” e “Vovózona” jamais poderia nem ser um “filme sério”, nem tampouco um “entretenimento”. Pra quê fazer então, né?

Ah, em tempo, teve crítico escrevendo que é um filme “anti-homens”. Deixemos eles em paz, né? Taquiosparovski.

Rhea Perlman.

Mas vocês não estão preparados para isso.

Usar o chavão “Margot Robbie foi a escolha mais que perfeita para o papel” não é suficiente — afinal, há Barbies por todo lado, incluindo Alexandra Shipp, Sharon Rooney e Issa Rae, tão ótimas em seus papéis quanto “díspares”. Mas Margot, a estrela do (meu) melhor filme assistido em 2023 até agora (“Babilônia”, só lamento por vocês), vencedora de diversos prêmios — mas que ainda não levou nenhum dos principais em meio a duas indicações ao Oscar, cinco ao BAFTA, quatro ao Globo de Ouro e cinco ao Screen Actors Guild –, realmente arrasa, especialmente na primeira metade do filme, quando é de fato a protagonista.

Mas há também o Sr. Fragilidade Loira, um impressionante Ryan Gosling, “o Ken” rodeado de tantos ótimos Kens como Simu Liu, Ncuti Gatwa e Kingsley Ben-Adir (e um só Alan, tadinho, de Michael Cera), onde cada movimento muscular, oftálmico e de psiquê deixa fluir uma interpretação fulminante. Sempre teve timing de comédia desde seus primeiros filmes, antes de ficar famosão. Em “Barbie” — ou “com Barbie” –, Ryan está “de roubar o fôlego”.

Sobre os dois eu não tinha a menor dúvida que brilhariam intensamente.

Em tempo: não é que tem Emma Mackey no filme e ela não está nem um pouco fazendo cosplay de Margot Robbie? Só isso já vale o ingresso. Greta é esperta.

Simu Liu.

Mas vocês não estão preparados para isso.

O fato é que, na segunda metade da trama, é Amelia Ferrera quem domina a tela grande. É dela o momento, o grande “bife”, que fez os adolescentes do cinema aplaudirem “em cena aberta” o filme pela primeira vez. Amelia simplesmente é dona da p*rra toda.

E ela trabalha na Mattel. Epa! Tem Mattel? Tem sim, senhor. Mas então é um filme pra alavancar a marca? E a Mattel precisa? Ou foi a Mattel que alimentou as polêmicas rasteiras que ajudaram “Barbie” a ser esse sucesso estrondoso de público (aguarde os números brasileiros para você cair pra trás)? Não importa. O papel que Greta dá à Mattel no filme é… melhor você assistir. Aliás, nunca deprecie a expressão “rir de si mesma”, presente em tantas produções por toda a história do cinema (e olha “Babilônia” de novo aí gente, chora cavaco)…

Kate McKinnon.

Mas vocês não estão preparados para isso.

Uma.
Duas.
Três.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Sete.
Oito.
Nove.

Simplesmente NOVE o número de vezes em que os adolescentes do cinema aplaudiram efusivamente o filme. Eu contei, sabe? Nunca na (minha) história dessa indústria vital eu havia presenciado isso. Em alguns momentos, aplaudiam por puro fuzuê de uma cena mais “wow”, mas em outros, e acho que na maioria, saudavam uma “mensagem” (olha a palavrinha ingrata aí) que, nós, os “adultos inteligentes”, cheios de pré-conceitos e quase sempre anunciando uma “geração perdida”, nem imaginariam que tocaria no emocional dessas criaturinhas de doze, treze, quatorze anos, ainda em formação e que, muito provavelmente, nem esperavam se deparar com alguns dos temas presentes no “filme de bonecas” (né?).

Grata surpresa. Emocionei-me com eles, com seus aplausos e com minha própria esperança.

Calma, esperem, não sejam ingratos comigo. Pode ser que eles não tenham entendido muita coisa, pra alegria de vocês, “adultos incríveis”, os reis da crítica cinematográfica e da profundidade da existência. Mas eles aplaudiram aquilo que muitos de vocês talvez tenham torcido o nariz. Porque sei que torcem.

Ariana Greenblatt.

Mas vocês não estão preparados para isso.

Sexismo.
Corporativismo.
Celulite.
Patriarcado.
Homens + Cavalos.
Presidenta.
Patins.
Existencialismo.
Trans.

Eu queria escolher as expressões mais importantes (uia), mas não costumo dar spoilers, então deixo umas tolas, soltas no espaço, só pra despistar. Cada um sabe a dor e a delícia de deixar seus adolescentes na fila da frente pra dormir freneticamente na poltrana atrás — ao meu lado, inclusive. Às vezes, o paizão desconhecido despertava nas horas em que o público ria mas, coitado, nem percebeu que o humor do filme é mais ácido que inocente, e que suas filhas caíram na gargalhada quando o diálogo era sobre genitália…

Helen Mirren.

Mas vocês não estão preparados para isso.

Vamos à questão da “mensagem”. Meu bem, fiote, bebê, fófis: nem todo filme precisa de uma mensagem. Nem mesmo os franceses, novelle vague, western spaghetti, os brasileiros, os clássicos alemães… Titio vai ensinar uma coisa: é cinema. O filme pode ser seriíssimo, lindamente romântico, um incrível thriller, de guerra, terror ou uma comédia rasgada, mas ser apenas um filme, para chorar, rir, temer, tremer. Não precisa te ensinar nada, nadica.

E você queria isso pra “Barbie”, né?

Mas… ops… te enganei, se deu mal. Há muita coisa a aprender em/com “Barbie”. Talvez não pra você, você e você aprenderem, senhores e senhoras da razão. “Barbie” não quer doutrinar ninguém, Greta não pretendia isso e seu roteiro deixa isso muito claro. Acima de tudo, ainda é en-tre-te-ni-men-to, ainda que fale de patriarcado, feminismo e demais parangolés.

Will Ferrel.

Mas vocês não estão preparados para isso.

Já falei de Greta, né? O ponto alto do filme sem dúvida é o roteiro que ela desenvolveu com seu parceiro Noah Baumbach. E mais não digo.

Ou digo. “Barbie é um filme feminista?”, você me perguntará finalmente, estava loks pra me questionar isso. O acerto do filme é justamente não ser, “ainda que”. Aproveite e corra pra ver Saoirse Ronan, outra grande atriz da mesma geração de Margot, vivendo a inenarrável “Lady Bird”, da mesma diretora, e delicie-se.

Emerald Fennell.

Mas vocês não estão preparados para isso.

A revista Time disse que o filme é “muito bonito, mas não muito profundo”, então relaxe. Fique no bonito, na direção de arte estupenda (um brinde bem palpável entre o mundo artificial e a “América real”), ou nas canções curiosas… curta Billie Eilish cantando e Dua Lipa só nadando (alguém tinha que pagar mico de fato nessa mixórdia)… Ou, se preferir, fique com as palavras de Clarisse Loughrey, do Independent, que disse (só li agora, nunca leio antes do filme) que “é um dos filmes mainstream mais inventivos, imaculadamente elaborados e surpreendentes da memória recente — uma prova do que pode ser alcançado até mesmo nas entranhas mais profundas do capitalismo”.

Olha, tio tá avisando: fala sobre capitalismo, cutuca a macharada, fala sobre relações tóxicas e visões de mundo equivocadas. E você vai rir, talvez constrangido, mesmo quando não é comédia.

Não é inesquecível, viu? Não é um clássico, e nem foi feito pra isso. Mas (eu) achei excelente, e pode ser lembrado nas listas de final de ano, em diversas categorias das premiações e, sim, faz refletir, pelo menos no espelho de muita gente. Não colocaram Barbie num pedestal, nem a achincalharam, nem fizeram dela musa do feminismo ou da filosofia — e olha que ela fala em Proust… Uma Barbie pé no chão (ops! ops!), real, mesmo não sendo.

Cinema. Como deve ser.

Tommy Beresford.

Mas vocês não estão preparados para isso.

~ por Tommy Beresford em julho, 21 2023.

Deixe um comentário