[Resenhas] A Partida

a_partidaSeja qual for o motivo, inesperado ou não, seja qual for o momento, o local, a situação, seja qual for (e eis aí um grande diferencial) o modo de vida local ou a crença religiosa, todo falecimento precisa de um rito de passagem. Em algumas culturas, há pompa e circunstância, em outras há austeridade. Mas sempre há tristeza, seja qual for a crença do pós-morte.

“A Partida” (e melhor seria “Partidas”, com a concordância com o título que esta bela produção japonesa recebeu em inglês, “Departures”) é um filme que emociona. Mas não apela para isso: o roteiro simples e a direção sem firulas mostram apenas o cotidiano de um violoncelista que perde seu emprego tão sonhado quase tão imediatamente quanto o conseguiu, volta à cidade natal para morar na casa da mãe e de um pai que mal conheceu e acaba conseguindo um emprego inusitado.

O filme surpreendeu muita gente ao ter levado o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2008/2009, vencendo os favoritos (para muitos) “Entre os Muros da Escola” e “Valsa com Bashir”. Mas nós, brasileiros, como sempre só podemos lamentar que o filme tenha sido exibido tanto tempo depois da cerimônia: sem assistir, não dava mesmo para chegar à conclusão, da qual agora não tenho qualquer dúvida, de que é um dos melhores filmes que chegaram às salas escuras em 2009.

Difícil não se emocionar com o olhar de Mika (Ryoko Hirosue, de “Wasabi”) ao contemplar pela primeira vez o emprego do marido Daigo, interpretado com segurança por Masahiro Motoki. Difícil não se emocionar com a linda trilha sonora de Joe Hisaishi baseada em Brahms, Beethoven e Schubert, e com Daigo tocando seu antigo violoncelo no topo de uma colina. Mas impossível é não se comover durante as diversas preparações metódicas para os posteriores rituais fúnebres (de diferentes religiões, a propósito) apresentados pelas câmeras do diretor Yôjirô Takita de forma cuidadosa e tocante.

Entendam: é dificil explicar o por quê de ser tão tocante, e a emoção não vem gratuita nem por meio de artifícios cinematográficos apelativos. E, mais uma vez, entendam: o que nos toca não é o método em si, mas sim o momento único que este conjunto de pequenos gestos permite aos que estão ao redor do morto. Eu diria que é este pequeno intervalo de tempo que dura a ‘cerimônia’ — e aí voltamos à expressão “rito de passagem” à qual me referi anteriormente — que forma um período pequeno mas de silêncio (e, porque não, de contrição) suficiente para que passe, na mente de cada um dos que perderam sua esposa, mãe ou filha, um pequeno e particular ‘filme’, que resume a relação de tantos anos, nem sempre pacífica, nem sempre próxima, mas sempre visceral, e que permite fechar ciclos, feridas ou (como no caso de Daigo) promove reencontros com sua própria identidade.

(Me lembrei, posteriormente, do ‘filme’ que passou por minha cabeça nos minutos em que esperava para entrar na sala de parto quando minha filha ia nascer, mas o ‘roteiro’ deste pequeno filme particular ao qual me refiro, no caso de “A Partida”, é fruto do fim de uma etapa, e não do começo.)

A emoção, portanto, não vem explicitamente do ritual que os parentes presenciam, mas da passagem necessária que se realiza, em silêncio e lágrimas, e que independe de cultura. Impossível para o espectador se manter impassível (e não se envolver, como se fora uma experiêcia pessoal). Impossível não chorar baldes e baldes por seu próprio presente, passado e futuro.

Imperdível.

Tommy Beresford

departures_cena

~ por Tommy Beresford em outubro, 30 2009.

5 Respostas to “[Resenhas] A Partida”

  1. Um filme feito de delicadezas, como a vida deveria ser, e que nos comove com o cerimonial, da cultura japonesa, acerca do rito fúnebre e preparação para a partida dos que morrem. Por tras da dor, uma estória. O melhor filme de 2009.

  2. a parte mais comovente, foi o encontro com o pai.. no momento em que cai de suas mãos as pedrinhas, onde essa era a única lembrança do filho esquecído.. comovente!!

  3. e a emoção não vem gratuita nem por meio de artifícios cinematográficos apelativos. ” esse eh o grande feito do filme, seria facil o tratar com morbidez, acho q foi o trunfo para o Oscar ! : ) adorei sua resenha mais otimista, e delicada, mas como me justifiquei no novo post, tenho estado meio cri-cri de maneira geral.

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  5. Olha não sei se sou tão insensível,mas assisti ao filme e não vi nada de tão relevante,sei lá pode ser a “leitura” errada que fiz do filme ou alguma coisa assim.Pode ser tbm pelo fato de todas as vezes em q eu assisto algum filme,ficar planejando um final,nesse caso aí eu pensei que ele fosse encontrar o pai dele vivo mas me decepcionei quando ele encontrou o pai já morto.Sinceramente eu não consegui entender a mensagem q o filme quis passar.

    Se alguém tiver alguma coisa a me falar sobre o meu comentário cite meu nome.

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