[Resenhas] Nosso Sonho: A História de Claudinho e Buchecha

Confesso que estava um tiquinho apreensivo para assistir ao esperadíssimo “Nosso Sonho: A História de Claudinho e Buchecha”, tanto que demorei a ir aos cinemas. A questão era o medão do longa se afogar em clichês: numa cinebiografia, é muito fácil tropeçar em armadilhas diversas, ainda mais quando o universo é da comunidade, do funk… seria fácil cair nos estereótipos, sem falar no tom “emocionável” demais não só pela história de dificuldades quanto por conta da tragédia a ser contada ao final, enfim… Bobagem. Um medo exagerado, e a resposta que a magia do cinema me deu, mais uma vez, foi… perdeu, parça. Ou melhor, ganhou.

A primeira boa surpresa foi o cinema lotado: no primeiro final de semana, 72 mil espectadores foram aos cinemas nos primeiros quatro dias, 150 mil em duas semanas, e espero que este número aumente bastante, apesar de (sabe-se lá porquê) terem diminuído inexplicavelmente o número de salas mais rápido que o esperado. Aplausos ao final da exibição, o público saiu cantando… coisa linda.

Foi um grande acerto a forma com que a trama foi contada: a narração da história ficou a cargo de Juan Paiva, o Buchecha da ficção, e é a história de Buchecha a verdadeira guia do roteiro. Talvez o espectador sinta um pouco a falta de mais informações sobre a vida do próprio Claudinho; o roteiro, porém, deixa claro desde o primeiro minuto que a prioridade é a relação de amizade entre os dois. E isso é bastante importante: a amizade entre dois homens, mostrada com delicadeza desde a primeira sequência, desde os primeiros abraços, demorados, sinceros, verdadeiros, sem medos.

São Gonçalo, as dificuldades de suas comunidades, o rap, o funk melody, o baile de favela, está tudo lá. Voltando ao receio inicial, é claro que há clichês, mas o roteiro de Eduardo Albergaria, Fernando Velasco, Mauricio Lissovsky e Daniel Dias é muito feliz em fugir rápida e eficientemente dessas ciladas. A direção de Albergaria é bastante eficiente, e apenas uma cena ou outra talvez seja longa demais, mas não comprometem o andamento do filme. É importante frisar que a caprichada produção não aposta na nostalgia, nem na pieguice e, além disso, não explora o cenário de violência da época (e até hoje, evidentemente), embora a realidade esteja sutilmente “viva” o tempo todo no filme. É mesmo a linda relação de amizade entre os dois que norteia “Nosso Sonho”: o sonho deles, a amizade de dois jovens homens pretos, dois artistas nascendo, duas trajetórias conectadas em uma história que poderia não ter “acontecido”, e o sonho de tantos outros.

É no elenco que o filme brilha intensamente. Nando Cunha precisa ser reverenciado: em um de seus melhores papéis, Nando (que, aliás, é de
São Gonçalo) merece todos os elogios, um grande ator, sempre. Tatiana Tibúrcio, que faz a mãe de Claudinho, também é outra participação incrível, marcante desde sua primeira cena.

Juan Paiva

A dupla de atores que fazem Claudinho e Buchecha crianças (Vinicius ‘Boca de 09’ e Gustavo Coelho), ainda que apareçam bem pouco, também foi muito bem escolhida, bem como Lellê Landim, como Rosana, o primeiro e grande amor de Claudinho. Clara Moneke, Isabela Garcia e Antônio Pitanga fazem pequenas pontas. E a dupla principal… difícil descrever.

Confesso que, nos primeiros minutos da fase principal da trama, imaginei que os dois atores poderiam ter invertido os papéis, mas logo vi que era bobagem da minha cabeça: a escolha foi perfeita. Somente agora, depois de assistir ao filme, é que soube que essa possibilidade realmente ocorreu, felizmente descartada. Também em seu melhor papel até hoje, Juan Paiva tem uma atuação excelente como Buchecha, sensível, em meio ao drama da origem pobre, a relação tóxica com o pai, a timidez e a incerteza sobre a fama.

Lucas Penteado

Mas nada nem ninguém supera o Claudinho de Lucas Penteado. É simplesmente impossível tirar os olhos dele, em todas as cenas. Carismático, magnético, impactante, extremamente talentoso: Lucas merecia ganhar diversos prêmios por este filme. É o dono de cada fotograma. Impressionantemente maravilhoso.

Aproveito para citar uma fala do próprio Lucas Penteado durante a produção do filme:

“A visão sobre a periferia que as pessoas têm é aquilo que se vende. E se eu só vender violência sobre a periferia, só o que se fala sobre a periferia são coisas negativas. Precisamos construir a verdade cultural sobre a periferia em filmes, novela, música.”

Apesar da necessária parcela de drama da história de Claudinho, é um filme leve, divertido, cheio de energia. A essa altura do campeonato, outubro de 2023, posso dizer sem medo de errar: “Nosso Sonho” é candidato, sem dúvida, a melhor filme brasileiro do ano.

Impossível não citar a parte musical a cargo de Plínio Profeta (também responsável pela trilha de “Medida Provisória”, grande destaque de 2022). Menção mega honrosa à homenagem a Cidinho & Doca, precursores de tanta coisa que veio depois, na deliciosa sequência de “Eu Só Quero É Ser Feliz”.

Como diriam Claudinho e Buchecha (e fugindo do chatérrimo “entregou” do modismo atual), o filme “adjudicou”. E muito. Chorei baldes. Assim como não dava para escapar de Claudinho e Buchecha nos anos 90, não dá pra escapar deste belo filme: dá vontade de assistir várias vezes. Corram aos cinemas.

Tommy Beresford

~ por Tommy Beresford em outubro, 08 2023.

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