[Resenhas] Que Horas Ela Volta ?

Que Horas Ela Volta

Assim que eu saí da sessão de “Que Horas Ela Volta?”, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi “Vai ser uma grande burrada se o Brasil não indicar este filme como pré-candidato ao Oscar 2015/2016 de Melhor Filme Estrangeiro”. O longa já tinha sido bem recebido em Berlim, a dupla de atrizes principais foi premiada no Sundance, mas não é somente pelos festivais. Este 2015 pode terminar como mais um daqueles anos em que a quantidade de espectadores de um filme nacional não necessariamente condiz com a qualidade como obra cinematográfica — na maior parte dos casos, o público é inversamente proporcional… Portanto, é preciso mandar para as premiações os longas que realmente têm o que dizer, e este é o caso do filme de Anna Muylaert.

O filme não se resume apenas a mostrar o “cotidiano de uma empregada doméstica” (aspas nisso), e eis que Val é uma daquelas “empregadas do século passado” (mais aspas), as que abandonam qualquer tentativa de lar (e amor) próprio e moram na casa da patroa. Val tem poucos pertences, acumulados em uma das hoje raras “dependências de empregada”, aliás expressão que sempre foi perfeita para explicar a relação entre a patroa e sua “auxiliar” — em geral, ambas mulheres, quase que numa “receita de bolo”. A diferença é que, em algumas famílias (mais frequentemente nas de classe mais baixa), muitas vezes a empregada (ainda que sendo a responsável por toda a carga de trabalho da casa) virava de fato quase um membro da família, enquanto em outros lares (ou com alguns dos moradores pelo menos, mas não necessariamente todos) esse “parentesco” era apenas superficial, numa relação de “passo a mão na sua cabeça, mas coloque-se no seu lugar”, embora não dito explicitamente. O longa de Muylaert procura deixar claro qual é o caso, e o espectador não tem dúvidas disso.

Pelo seu lado, Val é daquelas serviçais que se envolvem com a família: gosta dos patrões, ama o filho que ajudou a criar, se sente feliz ao seu modo. Logo na primeira cena, Fabinho mostra ao mesmo tempo seu amor por Val (o que de certa forma justifica o título em inglês, “The Second Mother”) e a falta que sente da mãe ocupada. O longa se desenvolve com muito cuidado, sem cair no engodo da tragédia mas sempre na corda bamba das relações. A chegada de Jéssica, filha de Val, mexe com a rotina da casa, pois ela passa a ser o foco de todos que lá habitam, não somente sua mãe, que não a via há muitos anos.

Sem se deixar levar por ciúme da relação de Fabinho com a mãe, Jéssica acaba mostrando a Val que a dimensão que a mãe tem da vidinha pacata e trabalhadeira, embora verdadeira, é no fundo uma redução de sonhos, de vontades, uma carência de botar seus sentimentos mais importantes para fora. Val volta a ser mãe, uma mãe meio sem jeito, mas isso basta para que olhos brilhantes de esperança reapareçam, nem que seja em função do que a filha quer viver e do que ela traz na bagagem — não a literal, a de anos sem a mãe.

A atuação de Regina Casé é simplesmente espetacular. Sua Val conquista o espectador não com pieguice ou sotaque, mas pela verdade e amor que transbordam de seus poros. Regina não perde o brilho nem quando Camila Márdila entra em cena: a jovem atriz, excelente, transforma Jéssica em uma protagonista em pé de igualdade, sem medo de duelar com a experiência de “sua mãe”. Todos os demais atores merecem menção — incluindo os minutos preciosos do sempre impressionante Luis Miranda e, especialmente, a pouco conhecida Karine Teles, que brilha como a mãe da casa, meio rainha má da Disney mas sem cair na caricatura –, mas é preciso citar a direção segura de Muylaert, que adiou por muitos anos a produção desta história, agora apoiada por um apuro técnico que engrandece o longa: ótimo som, ótima fotografia, ótima edição.

Não chega a ser um filme espetacular e inesquecível mas, calcado nas interpretações intensas de Regina e Camila e em uma história bem construída, “Que Horas Ela Volta?” é uma eficiente crônica, faz pensar, nos envolve. Curiosamente, antes de terminar esta resenha, saiu a notícia de que o filme é oficialmente o pré-candidato do Brasil: poderemos ser representados por uma diretora pela primeira vez em trinta anos. Fico feliz. Seremos bem representados caso este belo filme esteja entre os cinco indicados.

Tommy Beresford

Que Horas Ela Volta Camila Regina Case

~ por Tommy Beresford em setembro, 10 2015.

Uma resposta to “[Resenhas] Que Horas Ela Volta ?”

  1. Os filmes com Regina Casé são ótimos e passam uma mensagem bonita. Agora depois de ler essa resenha fiquei com mais vontade ainda de ver esse filme,parece ser muito bom.

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