Debra Winger: Aposentadoria dos cinemas por opção

Debra Winger

Matéria de Juan Sanguino ao El Pais em 04.03.2021 lembra quando a atriz Debra Winger à indústria de Hollywood e hoje, quase aos 66 anos, se mantém fiel a essa promessa, mantendo trabalhos na televisão e no teatro mas apenas esporádicos nos cinemas, se orgulhando de não ser reconhecida na rua:

Em 2002, Rosanna Arquette dirigiu um documentário em que várias atrizes maduras se reuniam na casa de Melanie Griffith para denunciar a aposentadoria forçada das mulheres de Hollywood após os 40 anos. O chamou de Procurando Debra Winger. O documentário iniciou um diálogo cultural que não acabou desde então e que teve Winger como símbolo: a estrela de cinema que um dia se cansou e, em vez de se queixar da indústria, ousou se retirar e desaparecer em seus próprios termos antes de que outros a invisibilizassem.

Debra Winger (Ohio, 1955) passou sua adolescência em um kibbutz, onde colaborou com o exército israelense, e após voltar aos Estados Unidos sofreu um acidente que a deixou cega e paralisou o lado esquerdo de seu corpo. Durante sua convalescença de um ano, decidiu que caso se recuperasse faria carreira em Hollywood. Ela mesma confessaria ao The Washington Post que essa vocação surgiu porque sua família quase não tinha fotos e vídeos dela: “É como se para o terceiro filho meus pais já estivessem cansados. Quando pequena me assustava por não ter fotos da minha infância porque me fazia sentir inexistente”. De modo que Winger chegou à conclusão de que as câmeras de cinema garantiriam sua identidade. George Cukor, o legendário diretor de Minha Bela Dama, tentou dissuadi-la: “Essa voz… você não sabe cantar, não tem classe”. Seu pai também a alertou que não conseguiria, porque as estrelas eram bonitas. Ela respondeu: “Então não serei uma estrela, serei uma atriz”.

Desde sua estreia na série Mulher Maravilha, Debra Winger sofreu o choque entre sua disciplina profissional e o que a indústria queria dela. “Pesquisei e estudei os quadrinhos, mas depois cheguei ao set e me diziam ‘Não, não, limite-se a girar sobre si mesma e se transformar em fogo’. Isso não era interpretação, era prostituição, de modo que empreguei todo o meu salário em pagar advogados para que me libertassem daquele contrato”, lembrou na revista Esquire. “Lynda Carter [a protagonista] era um manequim, sua única preocupação era que eu não usasse a mesma sombra de olhos que ela”.

Debra Winger na série

Debra Winger

Quando o produtor Robert Evans (O Poderoso Chefão, Chinatown, O Bebê de Rosemary) viu seu teste para Cowboy do Asfalto (1980) exclamou: “não transaria com ela nem com um pau de três metros”. O presidente do estúdio a considerou “judia demais”. Mas o diretor James Bridges insistiu para que lhe dessem o papel. A cena em que Winger monta um touro mecânico passou imediatamente à posteridade do erotismo americano.

Winger se transformou na atriz que melhor personificava as mulheres dos anos oitenta. “Você vê uma dúzia de Debras todos os dias: garotas de cidade, modernas e preocupadas; mais espertas do que os caras com quem saem; com carros que não arrancam; com apartamentos limpos e vidas desorganizadas; garotas interessantes que não sabem como são bonitas porque sua atração vem de sua energia, de sua aura de possibilidade. Debra Winger tem a presença mais autêntica e cotidiana que já se viu em uma estrela americana”, elogiou o crítico Henry Allen. A crítica Pauline Kael afirmou que Winger era um dos principais motivos para continuar indo ao cinema nos oitenta. A atriz, por sua vez, se queixava de que odiava ir a eventos porque não tinha um personagem para interpretar neles.

Durante a filmagem de A Força do Destino, o produtor Don Simpson (Flashdance, Top Gun) dava comprimidos para que ela retivesse menos líquidos e aparecesse mais magra. Apesar do sucesso do filme, que rendeu a ela sua primeira indicação ao Oscar, a atriz se negou a promovê-lo. Descreveu seu colega Richard Gere como “um muro de tijolos” e ao diretor Taylor Hackford como “um animal” e explicou que o que mais detestava de A Força do Destino era, justamente, a cena que mais emocionava o público: o final com Gere vestido de uniforme resgatando-a nos braços da fábrica em que trabalhava. “Gosto dos finais enigmáticos. Assim que me retiraram nos braços daquela fábrica de merda percebi que não queria voltar a fazer algo assim. Desenvolvi uma alergia aos finais fechados porque nos fazem sentir que a vida terá um clímax”, afirmou. Ela se interessava pelas histórias sobre vidas mundanas, em que a classe média do personagem não fosse um defeito e uma medalha, e sim uma condição intrínseca à sua existência.

Sua inimizade com Shirley MacLaine em Laços de Ternura continua sendo uma das mais mitificadas de Hollywood. A tensão entre seus personagens passou às atrizes e MacLaine contou em sua autobiografia que Winger chegou a levantar a saia e soltar um peido durante uma discussão aos gritos. As crônicas da época apontavam a cocaína como causadora desse histrionismo, mas Winger esclareceu na Vanity Fair, anos depois, que ainda que costumasse consumir (era a Hollywood dos anos oitenta, onde havia mais cocaína nos camarins do que comida nos caterings) nunca culpou a droga por sua volatilidade: “Se esse fosse o problema, teria sido tão fácil como deixar de usá-la”. Quando a filmagem acabou, a atriz se internou em uma clínica de desintoxicação. Quando MacLaine ganhou o Oscar ao que Winger também estava indicada, elogiou o “turbulento brilhantismo” de sua colega antes de exclamar: “Eu mereço o prêmio!”. Winger não achou graça nenhuma, de modo que no dia seguinte MacLaine enviou para ela uma camiseta que dizia “Turbulenta significa brilhante”. “Sei!”, respondeu Winger no Los Angeles Times. “Se você precisa explicar não fale. Não poderia ter se limitado a dizer ‘obrigado vadia?’ No começo fiquei feliz por ela ter vencido porque assim ficaria quieta por alguns dias, mas de repente começou a comemorar seu aniversário de 50 anos o tempo todo”.

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~ por Tommy Beresford em março, 05 2021.

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